Conto: A pensão maldita (Antologia Olhares na Noite)

Para os que não são muito fãs de romance, eis um pouco de terror. O conto a seguir foi escrito por mim para participar do concurso que deu origem à antologia Olhares na Noite, publicada em forma de e-book pela Pergaminho Editora Online. O concurso se deu através do blog Letrados em Sangue

“[...] Disse que a pensão despertara fantasmas de seu passado, então fantasmas ela despertaria sobre esta casa.”

Só lembrando: o download do e-book pode ser feito neste link.

* * * * *




Eles eram os únicos hóspedes da pensão. Marido, mulher e dois sobrinhos. Foram para lá passar um fim de semana diferente, afinal nunca tiveram a oportunidade de conhecer, de perto, uma casa do final do século XVIII. A construção fora parcialmente reformada há alguns anos, mas conservava, em sua essência, traços marcantes do período da edificação. Era uma casa grande e suntuosa. A atual proprietária, dona Emília, uma senhora de rosto bondoso e olhos azuis, recebeu a família no vestíbulo. 

- É muito feia – disse Eric, fazendo uso de toda a franqueza que lhe permitiam seus sete anos de idade. – Não vamos ficar mesmo aqui, não é? 

- A casa é linda. Você é que é ignorante demais para notar - implicou Tina. 


- Parem de brigar! – repreendeu tia Giovanna. – O que a dona Emília vai pensar? 

- Que são uns amores – disse dona Emília. – Benvindos! Espero que nossas acomodações sejam de seu... gosto – completou com um sorriso misterioso. 

- Certamente o serão – respondeu tio Frederick. 

Então, todos foram para seus quartos. Eric, batendo os pés com demasiada força no assoalho. 

- Não gosto desta casa – ele repetia sem parar. 

Tina trancou-se no quarto dela para telefonar para os amigos. 

- Não tem sinal – ela resmungou, jogando o celular na cama. – Ótimo. Trancada numa pensão obsoleta, localizada a quilômetros da casa mais próxima. 

Ela pensou em tentar o telefone da sala de estar, mas dona Emília havia dito algo sobre o aparelho não estar funcionando. 

No aposento do casal, o marido avisou a Giovanna que iria até o carro trazer o restante das malas. 

- Enquanto isso, irei experimentar essa banheira de que tanto ouvi falar – ela disse, caminhando em direção ao banheiro com seus objetos de higiene pessoal. 

Alguns minutos depois, tio Frederick retornou ao quarto. Estranho, Giovanna ainda estava no banho. Mas ele não ouvia um ruído sequer vindo do banheiro... 

Bateu de leve na porta e chamou por ela. Não houve resposta. Bateu novamente. Nada. Então, com o coração disparando, abriu a porta num rompante. 

O pavor o dominou. Lá estava Giovanna, na banheira; só que completamente imóvel. Desviando um pouco os olhos, ele viu o fio do rádio dela, ainda conectado à tomada. Olhou para a água e viu o rádio imerso nela. Ele não conseguia acreditar. Ela estava morta. Fora eletrocutada. 

Correu de volta ao quarto. As lágrimas marejavam seus olhos. Depressa, começou a devolver os pertences da mulher à mala. No momento em que saía para aconselhar os sobrinhos a fazer o mesmo, alguém bateu à porta. Dona Emília. Informada do acontecido, ela disse: 

- Sinto muito, realmente. Mas vocês não podem ir agora! E o corpo de sua esposa? Dê-me um dia e organizarei um enterro decente, com uma pequena missa na igreja da cidade. 

Ele não queria mais ficar ali. De repente a antiga pensão lhe parecia hostil. Tudo o que desejava era tirar todos dali o mais rápido possível. 

Contudo, acabou concordando com dona Emília. 

Frederick passou a tarde trancado na suíte do casal. À noite, na hora do jantar, ainda não contara aos sobrinhos o que acontecera. Não sabia o porquê, mas decidira fazer isso depois que Eric e Tina terminassem a refeição. 

- Onde está tia Giovanna? - perguntou Tina. Ela não tocara no jantar. – Não a vi à tarde. 

- Tina... Eric... – começou o tio. – Há algo que precisam saber... 

Entretanto, eles não souberam o que Frederick almejava lhes contar. Subitamente, o pesado lustre de cristal negro e pontas afiadas despencou do teto, acertando o homem na cabeça. Frederick caiu morto na hora. 

Eric e Tina gritaram e correram para seus quartos. Enquanto subia a escada, lutando para expulsar da mente a imagem dos respingos de sangue na toalha branca - tudo que visualizara antes de virar o rosto – Tina teve um vislumbre de uma jovem de cabelos louros, que aparentava ser apenas alguns anos mais velha do que ela. A loura saía da sala, embora Tina não a tivesse visto entrar. 

Quando entrou no cômodo, Tina tremia incessantemente. Estava histérica. E foi então que dona Emília entrou. A mulher contou a Tina o que se passara com tia Giovanna, e alegou lamentar pelo ocorrido. Todavia, pediu que ela e o irmão permanecessem na pensão até o amanhecer. 

- Foram acidentes terríveis – a velha dizia. – Mas vocês dois não devem sair daqui à noite. 

- Eu não acho que tenham sido acidentes – Tina respondeu. Ela contou à dona Emília sobre a jovem que vira na sala de jantar. 

- Ah, deve estar referindo-se à Kátia. Ela é minha filha, perdoe-me por não a apresentar a vocês. Kátia é doente e fica perturbada com estranhos... Contudo, não creio que seja ela por trás disso. 

- E quem mais seria? 

- Existe uma lenda sobre esta casa. Uma lenda boba, na verdade – contou a senhora aos sussurros. – Ela diz que, logo quando a pensão foi aberta, uma família se hospedou aqui. Todos naquela família eram muito desastrados, propensos a acidentes... E a filha mais velha, diziam, mantinha contato com forças sobrenaturais. A questão é que, pouco a pouco, todos – marido, mulher, filho e filha – morreram. A filha foi atropelada ao tentar fugir da casa. Ainda a encontraram viva. Ela viveu tempo suficiente para proferir uma espécie de maldição sobre a casa que tanto odiava. Disse que a pensão despertara fantasmas de seu passado, então fantasmas ela despertaria sobre esta casa. 

Tina fitou a mulher, incrédula. Nunca acreditara em lendas. 

- Certo – ela falou com certa ironia. – Então a senhora acha que fantasmas mataram meus tios? 

- Sim. Fantasmas, espíritos perversos. Os acidentes são esquisitos, de fato. Não parecem seguir uma espécie de padrão, como num filme de terror? 

Marido, mulher, filho e filha. Ao todo, quatro. Assim como ela e sua família. A menina balançou a cabeça afirmativamente. Havia mesmo um padrão. Em seguida, pediu à mulher que se retirasse. Tina estava confusa e precisava refletir. 

Ao amanhecer, Tina foi acordada por uma voz baixa e áspera: 

- Deviam ter ido embora ontem à noite – falou Kátia. 

- Por quê? 

- Porque ele teria uma chance. 

Ele? A quem ela se referia? De repente, uma imagem veio à mente de Tina. Seu irmão. A garota saiu em disparada até o quarto ao lado. Era mesmo de se estranhar que ele passasse a noite quieto após tudo o que acontecera. Um frio percorreu sua coluna. O medo lançava as garras cruéis sobre ela. 

No momento em que abriu a porta, no entanto, ela relaxou. Ele ainda dormia. A irmã se aproximou. 

- Eric, precisamos ir - ela chamou. – Eric, acorda! 

Mas ele não acordava. Ela chamava e balançava o irmão, porém ele não despertava. 

Então ela virou o menino e notou. O lençol branco do irmão estava envolto no pescoço dele, formando um nó apertado. Quando ela desfez o nó e sentiu a pulsação, seu próprio coração quase parou. Não havia pulsação. Eric estava morto. Ela tentou gritar, entretanto nenhum som saiu de sua garganta. 

Olhou para trás. Kátia a fitava. 

- Você fez isso! Por que você fez isso?! – foi tudo o que Tina conseguiu dizer. 

- Eles prometeram me deixar em paz... – ela disse com olhos arregalados. Parecia uma louca, pensou Tina. – Prometeram não fazer nada comigo caso eu os ajudasse... E eles queriam se vingar. 

No instante seguinte, Tina teve certeza de que não tinha mais nada a fazer, a não ser fugir dali bem depressa. Ela correu para fora, quase derrubando Kátia ao passar. 

- Não pode escapar! – Kátia gritou. – Você precisa morrer! A maldição não pode ser quebrada! 

Tina passou pelo quarto do tio e pegou as chaves do carro. Ainda não tinha idade para dirigir, mas seu pai a ensinara a fazê-lo em uma viagem à praia. Praia, por que eles não tinham ido simplesmente à praia? Ela até sugerira isso. Mas não, tia Giovanna almejava inovar, visitar uma pensão antiga, abarrotada de lendas e histórias sobre espíritos do século XVIII. 

Só que os espíritos não eram uma lenda. Eles estavam atrás dela. E a jovem, a tal de Kátia, também. Tina desceu as escadas rapidamente. No vestíbulo, encontrou dona Emília. 

- Aonde vai? 

- A qualquer lugar distante daqui – a menina gritou. 

Ao passar, Tina viu os olhos da mulher. Eles não eram mais azuis, calmos e receptivos. Eram vermelhos, tomados por um ódio insano. 

- Não, você não vai! – bradou dona Emília. Sua voz estava diferente. Era grossa e furiosa. Não combinava com a simpática velha que a recebera tão alegremente. 

Por instinto, Tina olhou para trás. Seus reflexos a levaram a se abaixar agilmente quando viu um objeto voando em sua direção. Ele colidiu com a parede, poucos centímetros acima da menina, rasgando o papel rosa florido que cobria todas as paredes daquela casa. Era uma faca de cozinha. 

Dona Emília também? Ela precisava sair dali urgentemente. Todos estavam contra ela naquela maldita pensão. Cruzou a soleira e dirigiu-se ao estacionamento. Olhou ao redor. A velha não a seguira. 

Contudo, alguém a observava de uma das palmeiras do jardim sem que a adolescente percebesse. Finalmente, ela viu o carro. Um filete de esperança começou a brotar em seu coração, mas logo foi sufocado pelo horror. Ela girou a chave, porém o motor não ligou. Tentou novamente. O carro não respondeu. O medo crescia, sufocante, à medida que avaliava a situação e constatava: certificaram-se de que ela não escaparia. 

Mas eles estavam enganados. Ela correria. Correria até achar ajuda. É, faria isso mesmo. Para tanto, empurrou a porta, contudo esta não abriu. A alguns metros, avistou um carro preto vindo a seu encontro. Seus olhos se estreitaram para enxergar quem dirigia. Kátia. 

Tina empurrava a porta insistentemente, tentava abaixar o vidro, mas o carro também estava contra ela. Por fim, arrancou o aparelho de DVD do teto do carro e o atirou no vidro, quebrando este último. 

Ela conseguiu se esgueirar para fora, caindo no chão. Entretanto, antes que conseguisse se levantar, o carro preto a atropelou. 

Vou me vingar, ela dizia a si mesma enquanto sentia sua vida se esvair rapidamente. Vou me vingar de todos! 

* * * * *


Ainda tenho outro conto publicado em Olhares na Noite – O Bosque do Terror –, bem como minha amiga Marília – Coração Roubado. Para ver o que achei da antologia como um todo, veja a resenha que escrevi.

E então? Fica ruim postar contos pelo blog, ou continuo postando?

3 comentários:

  1. Oi, tudo bom, vc pediu pra dar uma olhadinha e no twitter e cá estou, adorei seu blog, seguindo com certeza viu?!
    Quando tiver post pode mandar pra comentar,adorei o texto e depois pretendo ler todo.
    Território das garotas
    @territoriodg
    Bjss *-*
    http://territoriodascompradorasdelivro.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  2. UAU, amei o conto...nossa, você leva muito jeito.
    Coloque o outro, eu amo ler contos, e se for de terror assim, melhor ainda...rs
    bjos e parabéns

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  3. Não acredito que você divulgou o meu, Fátima! Oh, céus kkkkkkkkk

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